quarta-feira, 12 de março de 2014

Matilde: o internamento

Levam-me para um quarto com apenas uma cama. Num dos cantos, reconheço a minha mala de maternidade e o meu casaco. Enfermeira (ou seria uma auxiliar?) começa a mexer nas minhas roupas e pergunta qual a camisa de noite que prefiro. Tanto faz, respondo eu. Veste-me (sim, este tempo todo estive sempre nua). Chega a Matilde trazida pela enfermeira que irá ensiná-la a mamar. Estou deitada de lado. Coloca-a à minha frente e tiro as mamas para fora. A enfermeira ajuda-a a posicionar-se e foi a única coisa que teve de fazer. A Matilde pegou na mama (e como deve ser, segundo as entendidas) e só largou quando ficou satisfeita. Enfermeira termina com um "vou-me embora, ela não precisa de mim para nada". Sozinhas.

Passam uns minutos, mas não sei bem quantos ao certo. Entram novamente pessoas no quarto e percebo que vamos ser levadas para outro quarto. Cama a andar. Novo quarto. Fico com a cama 10 e tenho mais duas vizinhas. Depois de instaladas, recebemos a visita do esposo/pai e dos sogros/avós. Estou deitada de costas e ainda não sinto grande coisa da cintura para baixo (as drogas que estiveram a correr desde a sala de operações também ajudam). Participo pouco nas conversas. Toda a gente acha que é parecida comigo. Olho para ela mais uma vez. Não acho.

As colegas de quarto
Calha-me duas doutoradas na arte de parir. A cama 11 pertence a uma mamã de segunda viagem e, só mesmo para ajudar, já passou pelas duas experiências de parto: normal e cesariana. Na cama 12, também mamã de segunda viagem, encontra-se uma jovem que acaba de ter gêmeos. Percebem que o meu parto foi de cesariana e começam a fazem análises/prognósticos ao meu pós-operatório e internamento: "isso amanhã é que vai custar", "pode não ter doído a ter, mas vai doer mais a sarar", etc. Faço de conta que a conversa não é comigo. Elas continuam. Ignoro os comentários, mas a minha vontade é mandá-las calar ou perguntar se acham mesmo que quero pensar nas dores que vou sentir no dia seguinte. A recepção das minhas companheiras de quarto fica marcado como o segundo momento mais horrível do dia (o primeiro foi ter sido repreendida pela médica má - ver post Matilde: o nascimento). 20 horas. Hora das visitas irem embora. Como tenho imensa sede, dão-me umas compressas para molhar os lábios (aquilo funciona para alguém??). A Matilde vai mamando e, apesar do bebé da cama 11 não parar de chorar, consigo dormir. Não sei que horas são.

O dia seguinte
Alguém toca-me no braço. Abro os olhos e tenho uma auxiliar a olhar para mim. "São 3 da madrugada e vim ajudá-la a levantar-se". "A esta hora?". "Sim. Já se passaram 12 horas desde a operação e tem de levantar-se". "Ok". Passos a seguir: sentar-me fazendo força apenas no cotovelo, servir-me da auxiliar para levantar, dar 5/6 passos até uma cadeira e sentar-me. Simples. Errado, é o fim do mundo (cumpre-se o prognóstico da doutorada). Consigo levantar-me, dar os passos até à cadeira, mas a tontura obriga-me a voltar para a cama. Bendita tontura. Alterno dar de mamar com momentos de sono. Pequeno-almoço. Finalmente, vou comer.

A comida
Sem surpresas. Continua a porcaria esperada, embora não estivesse a contar que o pequeno-almoço de uma parturiente (que não come nada há mais de 24 horas) fosse uma chávena de café com leite e um papo seco. E um iogurte? E uma peça de fruta? Nada. Se uma pessoa até consegue perceber a falta de sal nos pratos, há coisas que não se perdoam. Nos dias que lá estive, nem a sopa podia ser considerada comestível.

O pessoal hospital: médicos, enfermeiros, auxiliares e estágiários
O entre e sai de enfermeiros (bem que podia escrever enfermeiras tendo em conta que não me lembro de ter visto nenhum homem) e estagiários (neste grupo sim havia uma rapaz) nos quartos é constante. O esclarecimento das dúvidas, os "está tudo bem?", "sente alguma dor?", "precisa de algo?", "quando deu a última mamada?". "posso ajudar com alguma coisa?" provam disponibilidade, dão conforto, ajudam no processo de descoberta/experimentação e criam laços de confiança entre o paciente e o corpo hospitalar.
Apesar de ter sido aconselhada a fazer o contrário, optei por ter a criança num hospital onde a médica que seguiu-me durante a gravidez não dá consultas. Não senti falta dela. 3 turnos por dia. 4 estagiários por turno, para além das enfermeiras e auxiliares. Um verdadeiro serviço de spa onde as mamãs e os bebés são tratados com toda a atenção que merecem. Um serviço de qualidade e a certeza que voltaria a escolher a maternidade do hospital Santo André para parir.

E ao 5º dia o regresso a casa deixando para trás os bebés chorões, a televisão sintonizada na TVI de manhã à noite e a nova ocupante da cama 11 com a mania que sabe tudo.

Próximo capítulo: as primeiras vezes.

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